Disputa entre filmes populares marca a 83ª edição do Oscar


LOS ANGELES - Brigando com o relógio para finalizar o mítico tapete vermelho do Kodak Theatre, por onde passarão hoje todos os concorrentes ao Oscar 2011, o mestre de obras venezuelano Juan Renato Jimenez, de 47 anos, apostou US$ 50 com um colega, certo de que o ganhador da estatueta de melhor filme será "A rede social". Ele não leva fé na vitória do favorito, "O discurso do rei", de Tom Hooper. A aposta de Jimenez é fundamentada.

- Tinha acabado de me mudar para Los Angeles quando fui trabalhar na montagem do Oscar de 2006, e só se ouvia falar em "O segredo de Brokeback Mountain". Era Ang Lee para cá, Ang Lee para lá. No fim, deu "Crash". Oscar não é matemática. O meu trabalho é. Se eu puser um prego errado, o Colin Firth fura o pé - diz ele, cujo coração hoje bate forte pelo filme de David Fincher sobre a criação do principal site de relacionamentos da internet. - Acho que todo mundo que tem Facebook torce por "A rede social". Eu, que achei "O discurso do rei" careta, aposto nele. Só não vi "Inverno da alma" entre os dez indicados, que, este ano, chamam mais a atenção do grande público que os dos últimos anos. Tenho essa impressão.

Tal impressão não é exclusividade de Jimenez, um apaixonado por Clint Eastwood e por Steve Martin que deixou a Venezuela em 1997 para tentar a sorte nos EUA. Em relação a todas as premiações da última década, a 83 edição da festa da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood está conhecida como a que mais agregou sucessos de bilheteria em seu rol de competidores a melhor filme. Uma vez mais, a Academia investe em uma tradição iniciada em 1937 - quando venceu "Ziegfeld, o criador de estrelas", de Robert Z. Leonard -, encerrada em 1944 - ano da vitória de "Casablanca", de Michael Curtiz - e retomada em 2010, que teve como vencedor "Guerra ao terror", de Kathryn Bigelow: dez longas-metragens brigarão pela estatueta de melhor filme. De 1945 até 2009, só concorriam cinco.

- Moro no México, mas vim para Los Angeles há uma semana para acompanhar a chegada dos artistas de perto. Sei que o acesso à festa é impossível, mas agora que eu me identifico com todos os longas em competição pelo prêmio de melhor filme, tinha que tentar - diz o fisioterapeuta Alejandro Omolón, enquanto documenta com uma câmera de vídeo os preparativos para a festa. - E vim torcer para o Alejandro González Iñárritu, que concorre entre os melhores filmes estrangeiros com "Biutiful". Já pensou se eu dou sorte para ele e o México leva? Vou me sentir realizado.

Quanto à opção da Academia por dez indicados e não cinco, a diferença em comparação com 2010 é a relação custo-benefício dos filmes. Destaca-se de cara o recordista de indicações, o anglo-australiano "O discurso do rei", que disputa 12 Oscars: a peleja de um rei gago (Colin Firth) para domar sua disfemia custou US$ 15 milhões e já arrecadou US$ 106,1 milhões. "Bravura indômita", o segundo mais cotado, com dez indicações, também gerou receita (US$ 164 milhões) muito acima do esperado.

- Com dez competidores, a premiação se dispersa muito. Mas foi a maneira que a Academia encontrou para lutar contra a queda de audiência da festa na TV. Quando havia apenas cinco concorrentes, as chances de disputarem filmes de forte apelo popular eram menores, e isso foi afastando o público - conta ao GLOBO o produtor Joel Silver, um Midas do cinema de ação, que teve filmes como "Matrix" (1999), "Duro de matar" (1988) e "Máquina mortífera" indicados ao Oscar em anos anteriores, atualmente com o thriller "Desconhecido" ("Unknown"), com Liam Neeson, lotando o circuito exibidor americano. - Quando um filme como "Avatar", uma produção esteticamente complexa, mas capaz de se comunicar com multidões, é indicado, a plateia se sente mais atraída pelo Oscar, pois se reconhece nele - diz Silver. - É o que acontece este ano com a indicação de melhor filme para o belíssimo "A origem", de Christopher Nolan, um blockbuster de autor. A mesma lógica de inclusão popular vale para "Toy Story 3".

Neste 2011 em que o Brasil está no páreo pelo prêmio de melhor documentário com "Lixo extraordinário", de Lucy Walker, João Jardim e Karen Harley (leia mais no quadro ao lado), muitos concorrentes tiveram um orçamento bem inferior às cifras dos grandes estúdios e, mesmo assim, contabilizaram fortunas na venda de ingressos. É o caso de "Cisne negro", que consumiu US$ 13 milhões para sair do papel, e de "O vencedor", que custou US$ 25 milhões. Os dois faturaram respectivamente US$ 102 milhões e US$ 86 milhões. Para a imprensa especializada, esses números podem ter impacto positivo sobre a audiência da festa, exibida na TV americana pelo canal ABC (no Brasil, o canal a cabo TNT transmite a festa a partir das 21h, e a Rede Globo, a partir das 23h59m). Estima-se que esta edição seja a mais assistida desde a premiação de 1998, que consagrou "Titanic".

- Como todos os filmes faturaram muito, a audiência vai subir. Ano passado, quase ninguém nos EUA viu "Guerra ao terror", só os críticos. Este ano, só "Inverno da alma", que cumpre a cota dos independentes, rendeu pouco - diz o jornalista italiano Marco Giovannini, correspondente da revista "Panorama", que cobre o Oscar desde 1992, quando "O silêncio dos inocentes" ganhou. - A coisa mais diferente este ano são os eventos cinematográficos paralelos para atrair os turistas. Nos últimos cinco dias, o Chinese Theatre, que fica pertinho do Kodak, organizou uma mostra chamada Los Angeles, Italia Film, Fashion and Art Festival, voltada para o cinema italiano contemporâneo. São formas alternativas de curtir o Oscar, que todo mundo acaba vendo só pela TV mesmo.

Giovannini tem razão: cinéfilos como o mexicano Alejandro Omolón optaram por prestigiar a mostra italiana, frente à dificuldade de acesso ao Oscar.

- Já que estamos na cidade e não podemos conseguir ingresso da Natalie Portman, vamos ver o que é possível, não é? E adorei "Vincere", do Marco Bellocchio - diz Omolón.

Jornais como o "Los Angeles Times" afirmam que neste Oscar com mais sabor de pipoca do que de filme-cabeça, só "A origem" e "A rede social" arriscam alguma inovação formal em suas narrativas. A imprensa em massa parece enxergar algum sopro de cinema de invenção apenas nos concorrentes de outras línguas, em especial o grego "Dogtooth", de Giorgos Lanthimos.

"Os cinco concorrentes a uma das láureas mais disputadas pelo cinema global são uma prova de bravura em suas provocações estéticas", escreveu Steven Zeitchik no "LA Times". "Há desde adolescentes que descambam para a violência, como 'Um mundo melhor', de Susanne Bier (que chega ao Brasil no dia 11), até um homem que estupra a própria mãe na guerra civil do Líbano, em 'Incêndios' (lançado anteontem no Rio). Mas 'Dogtooth', um longa sobre pais que torturam os próprios filhos, é, disparado, o mais inovador da categoria."

Não é por acaso que o arranjo competitivo de longas estrangeiros vem chamando a atenção. Curador da categoria, o produtor Mark Johnson declarou numa entrevista a jornais da Califórnia que as produções faladas em outros idiomas têm compensado a falta de ousadia do produto interno hollywoodiano. "O sistema de seleção de longas estrangeiros assegura que filmes pouco convencionais sejam considerados e vistos", disse Johnson.

No "Los Angeles Times", ele lamentou o fato de que muitos países estejam inscrevendo seus concorrentes baseando-se nos resultados de anos anteriores, supondo que a Academia favoreça este ou aquele ingrediente, este ou aquele gênero, na hora de creditar um concorrente à estatueta de melhor filme estrangeiro, em detrimento de uma estrutura dramática de maior consistência. "O Oscar é imprevisível", afirma o produtor.

Veremos se ele tem razão.



Fonte: O Globo

Nenhum comentário:

Postar um comentário